Capa do livro Reflexões sobre Direito e Sociedade: fundamentos e práticas – Volume 14, com análises sobre justiça, cidadania, políticas públicas e práticas jurídicas contemporâneas.

A Infância entre Invisibilidade Jurídica e Repressão Inquisitorial: Interseções Legislativas e Simbólicas

Childhood between Legal Invisibility and Inquisitorial Repression: Legislative and Symbolic Intersections

Autores:

Geraldo Pieroni
Alexandre Martins

ISBN (Livro):

978-65-5379-765-9

DOI (Livro):

10.47573/aya.5379.3.1

DOI (Capítulo):

10.47573/aya.5379.3.1.27

N° páginas:

Pages

Formato:

Livro Digital (PDF)

Publicado em:

23/06/2025

Resumo

A partir do exame de fontes primárias datadas dos séculos XVI e XVII, o presente estudo investiga a inserção da infância nos dispositivos repressivos da Inquisição portuguesa ao longo da Idade Moderna. A análise demonstra que, embora juridicamente consideradas incapazes de discernimento, conforme estabelecido nas Ordenações Filipinas de 1603, crianças eram recorrentemente envolvidas nos mecanismos inquisitoriais, ora como denunciantes, ora como rés, e com frequência como vítimas. A noção de infância, longe de ser uma categoria universal ou biologicamente determinada, revela-se como uma construção histórica atravessada por critérios morais, espirituais e jurídicos, como a “malícia” e a discretio iudicii, que legitimavam a responsabilização precoce de menores, independentemente de sua idade cronológica. Mesmo diante de normativas como o Regimento do Santo Ofício de 1640, que prescreviam a mediação formal ou a promessa de clemência, a prática inquisitorial era marcada por uma violência estrutural e simbólica que transformava a proteção legal da infância em simples formalidade processual. O estudo evidencia, assim, como os corpos infantis foram absorvidos pela lógica disciplinar do Santo Ofício, sendo submetidos a um regime de repressão religiosa, desamparo jurídico e exclusão simbólica. Ao recuperar esses sujeitos historicamente marginalizados, o artigo propõe uma reflexão crítica sobre as interseções entre normatividade jurídica, poder teológico e apagamento da infância no contexto inquisitorial.

Palavras-chave: crianças; legislação; inquisição portuguesa.

Abstract

This study examines the actions of the Portuguese Inquisition concerning childhood during the Early Modern period (corresponding to the European Ancien Régime), based on primary sources from the 16th to the 18th centuries. The analysis reveals that many children, although legally considered incapable of discernment under the Philippine Ordinances of 1603, were frequently included in inquisitorial proceedings as informants, defendants, or, most notably, as victims. The concept of childhood was historically constructed and permeated by moral and spiritual criteria—such as “malice” or discretio iudicii, which allowed for the early attribution of responsibility to minors, regardless of chronological age. Even in the face of regulations that promised clemency or formal representation, such as the 1640 Regiment of the Holy Office, inquisitorial practices demonstrated symbolic and structural violence, reducing the legal protection of children to a mere procedural formality. The study thus reveals how childhood was incorporated into the disciplinary logic of the Holy Office, characterized by religious repression, lack of effective defense, and symbolic exclusion. By recovering these historically silenced subjects, the article offers a critical reflection on the intersections between legal norms, theological power, and the exclusion of children.

Keywords: children; legislation; portuguese inquisition.

Ler On-line