Ethos Seringueiro – Cenários dos Jovens da Reserva Extrativista Chico Mendes
Autor:
Anselmo Gonçalves da Silva
ISBN
978-65-5379-059-9
DOI:
10.47573/aya.5379.1.58
N° páginas:
84
Formato:
Livro Digital (PDF)
Publicado em:
24-06-2022
Área do Conhecimento
Licença:
Aos meus sete anos, tive o meu primeiro contato com o que nomeiam por Amazônia. O meu pai, Jorge Gonçalves da Silva, um viajante aventureiro, estava no Pará, no Brasil, procurando fornecedores de ostras para fabricação de brincos e pulseiras. Nessa ocasião, eu e minha mãe estávamos com ele. Então, levou-nos para conhecer os seus novos amigos ribeirinhos. Confesso-vos que eu, criança, lá tive estranhamentos. As pessoas defecavam sobre um tablado de madeira sobre o rio; e, abaixo, havia peixes, cujos olhos virados para cima, ansiosos esperavam pelo que de cima os iria atingir. Daquele mesmo cenário, bebia-se a água e comiam-se os peixes — eu não podia entender (comia eu “só” ovos cozidos, por três dias). Um animal que estava com uma criança era lindo — um Quati. Encantou-me, quis acarinhar-lhe, estranhou-me, não me conhecia — quiçá eu afligi-o em algo e não o sabia. Na volta, estávamos num pequeno barco — eu, os meus pais e o barqueiro — mas eu tinha medo; a imensidão do grande rio afrontava-me; assombrava-me com o que podia haver guardado por baixo das suas águas — mas com a melancia que comia, confortava-me. De nada disso, eu, já grande, esqueço. As representações daqueles momentos, emergentes em afetos e emoções, talvez me tenham guiado à trajetória que trilhei e aos caminhos que desejo para mim como futuro. Voltando ao Rio de Janeiro, passaram-se mais de quinze anos, até que eu, novamente, reembarcava para a “dita” Amazônia. Desta vez para a cidade de Brasiléia, no interior do Acre, aonde iria eu, com ansiedades efervescidas por aquelas minhas representações amazônicas, tomar pose de um cargo de gestor de políticas públicas, no Governo do Estado do Acre. Nesse momento tornei-me adulto. Agi no mundo. Prestei serviços em três Secretarias de Estado. O meu primeiro trabalho foi uma viagem de três meses por municípios do interior, no Vale do Juruá, indo rever benefícios assistenciais nas residências de pouco mais de cem famílias. Seguiram-se, depois, trabalhos com capacitação de mulheres de bairros periféricos; com refugiados bolivianos de conflitos políticos ocorrentes no Departamento de Pando (Amazônia boliviana); com famílias brasileiras que residiam em seringais bolivianos e perderam os direitos de uso; com apoio à política municipal de assistência social; com gestão hospitalar; dentre outros. Foram-se assim três anos. Eu não queria ir embora, nem da Amazônia, nem do interior — me sentia útil. Em 2009, prestei outro concurso, fui trabalhar como analista ambiental no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O meu primeiro trabalho foi na Reserva Extrativista Chico Mendes — uma área protegida icônica, pela história de luta que representa e pela pessoa que lhe doou o nome. Esses anos foram cinco — não os conseguiria descrever nem mesmo num memorial. Talvez um resumo fosse que, tive o privilégio de conviver com as pessoas que fizeram existir o “movimento seringueiro” e a “aliança dos povos da floresta”. Neste período, pude com esses partilhar sonhos e frustrações, no desafio de tentar fazer com que a Reserva Extrativista fosse o que nela se projetou como utopia. Foi na Reserva que percebi alguns conflitos amazônicos em seus entremeios – quando se embolam as ideais, os tempos, as gerações e os sonhos (e isso ocorre longe dos modelos polares e binários – é complexo). E aí estavam às juventudes, as novas gerações, com suas ânsias de futuro – de “bem viver”, de sonhar e realizar, de serem felizes. Mas, por muitas vezes esse cenário de futuro dos jovens conflitava com o pensado para a um membro de uma “população tradicional” que vive em uma Reserva Extrativista. Em um ano da década passada entre no Mestrado Profissional de Gestão de Áreas Protegidas (MPGAP) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) – queria pesquisar sobre esses jovens – infelizmente fiquei doente em uma base do INPA, possivelmente de alguma doença amazônica, internado num Hospital em Manaus. A Professora Rita de Cássia Guimarães Mesquita muito me ajudou. Desisti do mestrado. Mas retornei novamente e o concluí em 2017. Pude então realizar a pesquisa que se transforma nesse livro, buscando enfrentar, com juventudes da Reserva Extrativista Chico Mendes, a seguinte questão: Afinal, quais são os cenários desses jovens? Como imaginam seu futuro? Como imaginam o futuro do seu lugar? Como isso se relaciona com o futuro da Reserva Extrativista e de suas populações como “tradicionais”? Aqui não conseguimos conhecer muito, mas vimos como de relance, por meio das comunidades Rio Branco em Xapuri e Divisão em Assis Brasil (ambas no Acre), um pouco da expressão desses sujeitos amazônicos. Um abraço! Obrigado pela sua atenção! E boa leitura. Se desejar, pode me contatar pelo e-mail: [email protected]
Prof.° Me. Anselmo Gonçalves da Silva
Anselmo Gonçalves da Silva
O autor é Doutorando em Estudos Contemporâneos na Universidade de Coimbra (Portugal) com períodos de estágio de pesquisa Erasmus nas universidades Sorbonne Nouvelle (França) e Helsinki (Finlândia). Mestrado em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Especialização em Gestão de Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). E graduação em Administração Pública pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Foi Gestor de Políticas Públicas no Governo do Estado do Acre, tendo desenvolvido atividades nas Secretarias de Estado de Assistência Social (SECIAS), de Saúde (SESACRE), e de Desenvolvimento para Segurança Social (SEDS). Foi Analista Ambiental no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tendo desenvolvido atividades na Reserva Extrativista Chico Mendes (AC), Estação Ecológica Rio Acre (AC) e Parque Nacional do Descobrimento (BA). Desenvolveu também atividades nas Terras Indígenas Cabeceiras do Rio Acre (AC) e Comexatiba (BA). Atualmente é professor do Instituto Federal do Acre (IFAC).