Discursos e representações: surdos, surdez e cinema
Autores:
Joeli Teixeira Antunes e Carlos Ranieny Pereira Rocha
ISBN
978-65-88580-58-5
DOI:
10.47573/aya.88580.1.1863
N° páginas:
50
Formato:
Livro Digital (PDF)
Publicado em:
2021-04-17
Área do Conhecimento
Licença:
Caro leitor,
entre várias questões que suscitam análises sobre os discursos e representações envolvendo os surdos e a surdez presentes nas narrativas dos filmes que mostram os modos de ser e viver a surdez investigou-se neste trabalho os discursos e as representações sobre os surdos e a surdez presentes nos discursos dos filmes “Filhos do Silêncio” e “Adorável Professor”. Ouvindo particularmente a opinião daqueles que são surdos, tentando entender como ocorrem suas interpretações, como se legitimam certas perspectivas e se excluem outras, mostrando assim a complexidade que se apresenta quando falamos pelo outro, quando o narramos e o inventamos a partir das marcas da normalidade.
A partir do pressuposto de que as identidades são fabricadas por meio da marcação de diferença e que a identidade depende da diferença, que nas relações sociais são estabelecidas por meio de um sistema classificatório divididos em grupos opostos, entende-se ser fundamental uma reflexão sobre o conceito de identidade, para tanto, recorreu-se aos estudos de Stuart Hall (1998), Gládis Perlin (1998), Maria José Coracine (2003), Nídia Regina Limeira de Sá (2006), bem como em algumas pesquisas acadêmicas (dissertações de mestrado e teses de doutorado) que discutem sobre o assunto.
Já as discussões sobre o conceito de representações, cultura surda e os discursos presentes nos cinemas embasaram-se nos estudos de Milton José Almeida (2004), Adriana da Silva Thoma (2002), Ângela Lima Dantas (2008), Jacques Derrida (2000), Ana Dorziat (1998), Michel Foucault (1996), Etienne Samain (2004) e outros estudiosos.
O presente trabalho verifica forma como a narrativa dos filmes “Filhos do Silêncio” e “Adorável Professor”, que tem como tema o surdo e a surdez, colaboram nas experiências do sujeito surdo e nas representações e identidades assumidas por cada um e, como essas questões aparecem na educação de surdos. Essa temática nasceu do desejo de se compreender a visão que o sujeito surdo tem de si e de que forma eles analisam a pedagogia cultural do cinema. Para tanto, partiu-se de um estudo da tese de doutorado de Adriana da Silva Thoma “O Cinema e a Flutuação das Representações Surdas”.
De acordo com THOMA (2002) as narrativas culturais presentes nos filmes sobre os surdos e a surdez, aquilo que é enunciado sobre esses sujeitos, sua língua, sua comunidade e sua cultura, cruza o campo da educação de surdos e contribui para constituir os tempos e os espaços de aprendizagem para os surdos. Para ela o cinema pode funcionar para produzir conhecimento, fixar identidades e instaurar sentidos sobre os sujeitos surdos. E para pôr em exercício essa produção, fixação e instauração de sentidos, os filmes são constituídos de uma intertextualidade de saberes sobre a alteridade surda que não são neutros, nem unânimes.
Para construir as narrativas surdas os autores se apropriam de discursos, sobre a surdez e os surdos, pertencentes a outros campos do saber, como por exemplo, medicina, a filosofia, a antropologia e a pedagogia. Esses discursos aparecem de forma isolada ou combinada nos enunciados dos filmes. Mostrando representações opostas, essas narrativas às vezes “falam dos sujeitos surdos como incapazes, incorrigíveis, anormais, ignorantes, primitivos” (THOMA, 2002, p. 58), outras vezes “falam de surdos que, apesar da surdez, são recompensados por outros sentidos que os tornam capazes, corrigíveis, normalizáveis, inteligentes, civilizados.” (THOMA, 2002, p.62). Pensa-se que essas dicotomias precisam ser problematizadas e analisadas, a fim de se observar os efeitos que elas causam em cada um e, principalmente nas pessoas surdas.
Neste contexto, indaga-se qual o lugar que o outro ocupa na educação e nas políticas públicas implementadas que “estão condicionadas a certo olhar ‘quase obrigatório’ sobre a alteridade e têm utilizado diversos imaginários para enunciá-la.” (DORZIAT, 1998, p.18). Reafirmando, assim, a necessidade de que sejam fomentadas reflexões sobre as diversas faces da inclusão, particularizando cada grupo de pessoas diferentes para um melhor entendimento sobre quem são e o que pensam esses outros. Para que a partir dessas discussões possam-se entender as representações da alteridade na educação, tendo como foco o ser surdo e de que forma o cinema retrata essas questões.
Com base nesses entendimentos, fez-se a análises das narrativas dos filmes “Filhos do Silêncio” e “Adorável Professor” problematizando como as representações e discursos presentes na cultura atravessam e configuram a educação de surdos, constituindo os tempos e espaços de aprendizagem no campo da educação de surdos. Ressaltando a importância de se saber de que forma é refletido o olhar dos surdos para si mesmos. Esse olhar recai sobre quais aspectos? Acompanha o movimento da cultura ocidental de ser ou representar a si mesmos, a partir de algum modelo de estética, de inteligência, de normalidade? De acordo com DORZIAT (1998) “A incapacidade do homem em valorizar as diferenças gerou uma variedade de insatisfeitos que estão numa busca constante de estereótipos, de modo a se adaptarem, em contradição, muitas vezes, com suas peculiaridades” (DORZIAT, 1998, p.19).
Apesar das mudanças ocorridas nas leis, nos códigos e símbolos escolares, as representações de inferioridade e impossibilidade daqueles nomeados e narrados como doentes, anormais, seguem enraizadas, constituídas de narrativas que falam quase que exclusivamente sobre aquilo que falta aos surdos para serem como os ouvintes. Por uma determinação legal, todos devem ter seus acessos garantidos e suas diferenças aceitas e respeitadas (BRASIL, 1998, P.17). Porém as leis por si só não conseguem promover a inclusão de forma abrangente é preciso haver, também mudanças nas representações e nas identidades. A inclusão não pode ser tratada como alguma coisa que os sujeitos ou grupos têm ou não, mas sim como um “processo social e relacional, como uma construção histórica e lingüística que tem se ocupado de colocar uns em posição de vantagem em relação aos outros, que tem naturalizado certos atributos aqueles considerados anormais ou estranhos.” (SKLIAR, 2001, p.14). Essas são algumas das questões presentes nos filmes “Filhos do Silêncio” e “Adorável Professor” analisadas por cinco sujeitos surdos.
Desenvolveu-se este trabalho a partir de uma abordagem qualitativa, de cunho descritivo. Primeiro realizou-se a pesquisa bibliográfica, na qual foi selecionada algumas obras relacionadas ao tema, priorizou-se o levantamento de dados sobre os surdos, a surdez e o cinema. Buscou-se, por meio dessa análise, obter informações sobre a forma que é trabalhado o discurso e as representações dos surdos no cinema, na visão de alguns autores estudiosos do tema, como esses fatos são representados no filme: “Filhos do Silêncio” e “Adorável Professor” e como os surdos vêem esses discursos e essas representações.
Em um segundo momento, realizou-se um estudo com cinco jovens surdos na cidade X no Estado de Minas Gerais. No referido estudo, analisou-se o filme “Filhos do Silêncio” dirigido por Randa Haines, lançado nos EUA/1986 e o filme “Adorável Professor” dirigido por Stephen Herek, lançado nos EUA/1995 tendo como interesse a problematização daquilo que se produz como verdade sobre esses sujeitos na pedagogia cultural do cinema a fim de se entender como ocorre o jogo das representações e discursos sobre a surdez e os surdos, como acontecem às relações de poder e como sujeitos surdos são interpelados pelos referidos filmes.
Em seguida, por meio de questionário, investigou-se de que modo às narrativas dos filmes colaboram nas experiências do sujeito surdo e nas representações e identidades assumidas por cada um e como essas questões aparecem na educação de surdos. Na abordagem deste tema procurou-se analisar as formas como as identidades surdas são construídas no jogo das diferenças, como as culturas do ouvinte e do surdo se manifestam nessa construção identitária na busca por uma afirmação cultural, tentando marcar os pontos em que o ouvintismoé quebrado.
No primeiro capítulo – “Surdo Verso Sociedade Ouvinte” – O primeiro tópico intitulado “Discursos e Representações Presentes no Cinema” reflete sobre o cinema como ferramenta que traz pedagogias culturais, a partir das proposições de Milton José Almeida, Ângela Lima Dantas. Refletiu-se também, sobre o cinema como suporte imagético privilegiado da expressão das culturas humanas, embasado no estudo de Etienne Samain. Enfocam, ainda, as formações discursivas sobre surdos presentes nos filmes com base nos estudos culturais pós-estruturalistas, em especial os foucaultianos, alguns conceitos da psicanálise e os estudos de linha francesa. Elabora-se, nesse capítulo, o segundo tópico “Identidade fabricada por meio da marcação da diferença”, o qual discorre sobre os conceitos de identidades baseado nos estudos de: Janet Paterson, Dourlen, Eurídice Figueiredo, Landowski e Coracini.
O segundo capítulo – “Identidades sobrepostas” – No primeiro tópico, está em pauta à sinopse do filme “Filhos do Silêncio” e no segundo a sinopse do filme “Adorável Professor”. O último item desse capítulo “Representações Identitárias Presentes nos Filmes” tem por finalidade demonstrar a tensão existente entre as inúmeras representações identitárias presentes nos filmes a partir da análise discursiva de algumas cenas dos filmes, em que se constata a construção de identidades advinda da sociedade ouvinte que é apresentada ao surdo como uma forma de torná-lo ora diferente, no sentido de ser deficiente em relação ao ouvinte; ora mais semelhante ao ouvinte, pela via da oralização e outras políticas de inclusão.
No capítulo três “As Narrativas Vista Pelo Surdo”, elabora-se um contraponto reflexivo entre os questionários respondido pelos surdos, no qual foram expostos suas opiniões e os estudos realizados no decorre da pesquisa. Realizou-se esta análise, a partir das seguintes perguntas: “Ao assistir os filmes “Filhos do Silêncio” e “Adorável Professor” você observou em algumas das cenas, fatos que lembre acontecimentos vivenciados ou presenciados por você? Quais? Justifique.”; “Em sua opinião, esses filmes retratam a realidade do ser surdo ou é apenas uma ficção que esta distante do cotidiano do surdo? Comente.”; “De acordo com Adriana da Silva Thoma (2002) o cinema pode funcionar para produzir conhecimento, fixar identidades e instaurar sentidos sobre os sujeitos surdos. Após assistir aos filmes você concorda com essa afirmativa?”; “Escreva, em poucas palavras, o que você achou dos filmes assistidos.”. Por fim, discute-se sobre a forma como o surdo coloca sob suspeita ou não as narrativas ouvintes sobre sua língua, sua comunidade e suas produções culturais, na qual eles apontam outras possibilidades para se pensar a surdez, possibilidades que questionam as narrativas predominantes que falam sobre eles como sujeitos “anormais”, sujeitos a serem corrigidos ou recuperados.
Acredita-se que este trabalho contribua para ampliar os estudos teóricos contemporâneos sobre o cinema, suas relações com a cultura surda e seu funcionamento como discurso capaz de reconhecer a impossibilidade de se fazer cinema sem se reconhecer e dar voz aos surdos. Como afirma Nídia Regina, “Os sentidos e discursos geram conseqüências na vida cotidiana das pessoas; eles sempre trazem representações implícitas, portanto não são neutros nem opacos. Em se tratando dos surdos, pode-se dizer que as representações sobre a surdez e sobre os surdos interferem na formação e na manutenção das identidades surdas.” (SÁ, 2006, p.18).
Os autores
Joeli Teixeira Antunes
Mestra em Letras Estudos Literários (Unimontes); Especialista em Libras com Ênfase em Interpretação (Unimontes), Especialista em Mídias na Educação (Unimontes), Especialista em Educação a Distância (Unimontes); Especialista em Linguística: Leitura e Produção Textual (Faculdades Santo Agostinho); Especialista em Atendimento Educacional Especializado na Perspectiva da Educação Inclusiva (IFNMG); Graduada em Letras Português (Unimontes); Graduada em Letras/Libras (IFNMG). Atua como professora no Departamento de Estágio e Práticas Escolares (Unimontes) e no Departamento de Comunicação e Letras (Unimontes).
Carlos Ranieny Pereira Rocha
Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES e pós graduado em LIBRAS pelas Faculdades Favenorte. Possui experiência em desenvolvimento de sistemas para acessibilidade a pessoa surda. Atua como professor no Departamento de Comunicação e Letras (Unimontes).