Catarinas, Pafúncias e Hermengardas: construções de personagens femininas em Contos de João Antônio

O contista João Antônio Ferreira Filho (1937-1996), paulistano criado em modestos bairros operários da periferia da cidade de São Paulo, recriou literariamente o universo dos marginalizados – jogadores de sinuca, punguistas, otários, moleques de rua, bêbados, prostitutas, guardadores de automóveis, soldados, porteiros de casa noturna, cafetões, pedintes, traficantes e malandros. São raríssimas as protagonistas no universo desse autor; porém, são constantes as personagens femininas nos escritos do contista – sempre mulheres relegadas a segundo plano dentro das relações de poder que se estabelecem em um relacionamento de bases patriarcais entre um homem e uma mulher. Não se pode simplesmente dizer que as mulheres contempladas nos contos de João Antônio, a despeito de todas as dificuldades e preconceitos que são obrigadas a enfrentar, “são todas umas catarinas, pafúncias e hermengardas”, como as denominava o pai do autor, um modesto comerciante português. Elas não podem ser vistas como elementos secundários na obra de João Antônio, mas sim como elementos essenciais à elaboração das narrativas do autor. O objetivo central do estudo proposto consiste em analisar treze contos da autoria de João Antônio em que a figura feminina atua – seja como personagem, seja como lembrança, seja como simples referência. Analisam-se as personagens femininas dentro dos espaços em que vivem, além das relações que as mesmas têm com seu momento histórico, com suas origens socioeconômicas, com o exercício de seus diversos papéis sociais. São mulheres que vivem em espaços marginalizados, são figuras lacônicas (quando não completamente silenciosas), mas estão sempre assumindo algum tipo de importância sobre as personagens masculinas. É essa importância, exercida com autoridade, com dependência, com encantamento, com artimanha ou com sedução, que se quer ressaltar nos contos de João Antônio. O corpus de análise é composto pelos contos “Busca”; “Fujie”; “Retalhos de fome numa tarde de G. C.”; “Frio”; “Meninão do Caixote”; “Malagueta, Perus e Bacanaço”; “Três Cunhadas – Natal de 1960” “Joãozinho da Babilônia”; “Paulinho Perna Torta”; “Mariazinha Tiro a Esmo”; “Tony Roy Show”; “Milagre Chué”; e “Maria de Jesus de Souza (Perfume de Gardênia)”. São quase todos protagonizados ou narrados por personagens masculinas e em todos existe, no mínimo, menção a uma figura de mulher. O presente estudo tem por método a pesquisa bibliográfica e a análise dos contos escolhidos. O referencial teórico empregado para a consecução do trabalho fundamenta-se, quanto às questões relacionadas à construção de personagem, em A personagem (1985), de Beth Brait; A personagem de ficção (1976), de Antonio Candido; Pessoas de Livro (2015), de Carlos Reis, entre outros. No tocante às questões ligadas ao papel social da mulher, contemplam-se os trabalhos O segundo sexo (2016), de Simone Beauvoir, A dominação masculina (2014), de Pierre Bourdieu, As formas do silêncio (2007), de Eni Puccinelli Orlandi e A mulher na sociedade de classes (2013), de Heleieth Saffioti, entre outros. Espera-se contribuir com as pesquisas sobre o fazer literário do escritor, olhando com mais apuro as personagens femininas (sejam elas protagonistas ou coadjuvantes) dentro da obra do contista paulistano, pois além de ser um prisma fora do que usualmente se pesquisa a respeito do autor, a análise dos aspectos abordados no presente trabalho abriria novas possibilidades de enfoque da produção literária do mesmo e poderia suprir uma lacuna dentro dos estudos sobre João Antônio.
Boa leitura!

Ana Cláudia Paschoal

Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual de Maringá (2019) – UEM. Possui Mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual de Maringá -UEM (2014), especialização em Literatura Brasileira pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí-PR (2003), graduação em Letras pela Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí (1998) e graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1985). Atualmente é professora do Ensino Médio no Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo (PR) e professora colaboradora de Literatura Brasileira na UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná, Campus de Paranavaí. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira e Língua Portuguesa.